terça-feira, 19 de janeiro de 2016

The Visit (2015, M. Night Shyamalan, EUA) - spoilers!

Por mais que Shyamalan faça, e até pode fazer um Bergman de cinco estrelas, será sempre, como se diz em estrangeiro, too little too late. Já toda a gente se habituou a pensar que dele nada mais há a esperar depois de uma série de fracassos no cinema.

Eu não desgostei de todos os fracassos de Shyamalan. Não vi The Last Airbender, mas vi o The Happening e gostei. Quer dizer, o Mark Wahlberg estava efectivamente péssimo no filme, e o realizador não pode ser considerado alheio a tal, mas ponto um, Wahlberh não é grande actor, ponto dois, o resto do filme estava giro, ainda que tenha sido esventrado pelos críticos; também gostei da Lady in the Water, e deste disseram tão mal que foi uma verdadeira humilhação. Um exagero, quanto a mim. Porque não guardar estas críticas destrutivas para filmes que merecem completo e verdadeiro enxovalho (comédias tipo Bad Teacher com a inenarrável Cameron Diaz, por exemplo)? 

Continuando. Eu gostei deste The Visit; o Rotten Tomatoes dá-lhe uns respeitáveis 63%, ao passo que o Mark Kermode do Guardian perde a cabeça e dá-lhe uma estrela (uma); e talvez isto nos possa fazer pensar no desfasamento entre os críticos e a opinião do público, mas enfim, também não vou pensar nisso agora porque a minha intenção aqui é escrever sobre The Visit.

Sinopse: um irmão e uma irmã não vêem os avós há não sei quanto tempo e vão visitá-los, passando com eles uma semana. Corre tudo bem nos primeiros dias, mas as coisas esquisitas que acontecem subtilmente no princípio (o avô diz-lhes para nunca sairem do quarto depois das 9h30 da noite, por exemplo) agravam-se e os netos suspeitam e descobrem que os avós são doidos varridos, não do estilo engraçado, mas do estilo perigoso. E há toda uma obsessão com comida e com a neta a limpar o forno que soa agradavelmente a Hansel e Gretel. 

A mim, o filme assustou-me muitíssimo. Há uma cena em que os netos, ainda incautos, estão a brincar às escondidas de gatas numa espécie de cave de tecto baixo, e aparece a avó, a grunhir qual animal selvagem, desgrenhada, atrás deles, que é de morrer. Os miúdos conseguem fugir e a avó aparece depois, a limpar a roupa e a rir, como se se tratasse de uma brincadeira inofensiva. Muito giro. Há igualmente a já esperada reviravolta no fim (toda a gente diz que adivinhou no Imdb, mas eu não) que é bastante agradável. 

Para mim, o filme é de ver e as más críticas são injustas - dizem que é previsível; eu não achei; dizem que vilipendia a doença mental e a idade avançada, mas penso que o filme não é profundo o suficiente para isso. É para ver e para assustar um pouco (e para rir, pois tem muitos momentos de comédia), e está bem. Não é o Sexto Sentido, mas também não é o Bad Teacher. 

Moral: ok, gostei do filme, mas penso que não é suficientemente bom para ter moral. Quanto muito - antes de visitarmos familiares que não vemos há muito tempo, talvez seja bom vermos umas fotos recentes ou falar no Skype ou isso; afinal, temos as novas tecnologias para quê?! 

Momentos altos: todos em que os avós doidos andam atrás dos netos, mas principalmente as cenas em que os miúdos abrem a porta do quarto à noite e vêem a avó em cenas desvairadas e loucas. 

Notas: não vou deixar aqui o trailer porque esse, sim, é mau. Praticamente denuncia o filme todo. 

The Babadook (2014, Jennifer Kent, Austrália) - spoilers!

Em primeiro lugar, ocorre-me dizer que  O Babadook é um filme bonito. Acho que é bonito porque lida com a relação entre uma mãe e o seu filho, que saem vitoriosos no fim, e eu gosto disso.

O filme é convenientemente assustador (não me assustei muito porque o vi de dia, mas é convenientemente assustador, reitero) e  visualmente segue todos os "standards" dos filmes de terror (casa grande, cinzenta, escura e feia; tempo sempre nublado; muito sangue, cuspidelas, sujidade, agressões físicas; monstrengo desfigurado e que apenas emite sons roufenhos e malévolos, enfim, o normal); trata da relação de uma mãe, que perdeu o marido e pai do filho num acidente de carro, com o seu filho de seis anos. A relação não é fácil - a mãe está enredada numa depressão nunca diagnosticada (foi o que me pareceu), o filho está convencido de que vê um monstro que lhes quer fazer mal e determina que vai proteger a mãe; esta última tem um emprego provavelmente mal pago num lar de idosos quando antes, quando o marido ainda estava vivo, escrevia livros para crianças.

Bom. Acontece que o monstro, o tal grande e horrível Babadook, é real e agora a mãe e o pequenote têm de se livrar dele, e há aqui uma série de interpretações possíveis, todas elas fazendo sentido - diz-se que o Babadook é no fundo a encarnação diabólica do luto e da dor quando são mal resolvidos e se acumulam na nossa cabeça; ou a representação do horror que é a doença mental, principalmente quando não é tratada. A mim pareceu-me tudo isso, mas fundamentalmente a questão pareceu-me ser a de que o mal, das coisas que podem voltar para nos atacar, serem sempre uma constante na nossa vida e temos de saber lidar com isso. Não vale a pena esconder debaixo do tapete. A vida nunca será perfeita, mas convém encará-la de frente e tentar resolver o que há a resolver, de outro modo é uma bola de cotão que se acumula na cabeça e que nos assombra como o Babadook. Assim, este último acaba por ficar preso na cave e a mãe vai lá de vez em quando acalmá-lo e dar-lhe de comer - mas não o nega nem finge que não existe.

Há também um tema interessante no filme, que é o facto de a mãe ser na verdade uma mãe solteira (é viúva, mas está a criar o filho sozinha), com muito pouco apoio, e que tem ainda de lidar com os olhares condescendentes e de falsa pena das outras pessoas, o que acaba por exarcerbar o desespero da mãe ao ter de lidar, sozinha, com o filho, com monstros, com a vida em geral.

De modo que é um filme interessante e que se vê bem.

Moral: a cabeça, como as casas, precisa de ser arejada e limpa de vez em quando. Quando se deixa cotão nos cantos porque se tem preguiça ou incapacidade para varrer, o cotão cresce e transforma-se num grande e horrível monstro que nos devora.

Momentos altos: o miudinho a combater a mãe, possuída pelo monstro, para depois a salvar


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

The Wicker Man (1973, Robin Hardy, UK) - spoilers

Tendo a gostar do terror britânico. Talvez por ser europeu, há ali um veio surrealista (pelo menos a mim, parece-me surrealista) que torna estes filmes muito interessantes - a imagem mais esbatida por não ter tido, durante muito tempo, os recursos do cinema americano, mais momentos de silêncio e pausa para aumentar a tensão e, enfim, para superar tudo, Christopher Lee. 

 Christopher Lee. O que dizer desta rocha do terror, deste Príncipe Drácula dos filmes da Hammer, tão aristocrático, tão firme, tão sanguinário.

 Bom, continuando, este Wicker Man é filme de terror, britânico, e com Christopher Lee que, para não variar, faz papel de mau. A história é a de um polícia convicto dos seus valores religiosos e muito ortodoxos que chega a uma ilhazinha para investigar o desparecimento de uma menina. Rapidamente começa a perceber que toda a gente lhe anda a esconder um segredo horrível, que ninguém está interessado em encontrar a criança e ele que se veio meter na boca do lobo. De modo que o polícia começa a ficar enervado e, quanto mais enervado fica, menos compreende o que se passa e mais se agarra aos seus valores (que, aliás, nunca vacilam) o que, desgraçadamente, o torna ainda mais arrogante. Dir-me-ão, é a hubris, que tão facilmente se associa a quem tem muitas certezas. E será.

O mais engraçado do filme, além de toda a atmosfera claustrofóbica "derivado" a passar-se numa ilha, é que é o polícia correcto, rígido, cheio de lisura e convicção, que acaba por sucumbir à maluquice dos que o rodeiam. 

Moral: nunca devemos ser muito firmes nos nossos valores, porque há pessoas que podem querer dar-nos uma lição por sermos arrogantes e acabamos tal e qual como este polícia (não vou dizer o que lhe acontece, mas não é nada bom). 

Notas: o guião é de Anthony Shaffer; fez-se um remake em 2006 com Nicholas Cage (actor que eu cheguei a adorar em tempos idos) que vale a pena ver por ser tão horrorosamente mau (vê-se tipo comédia).

Momentos altos: Christopher Lee, atmosfera claustrofóbica e a puxar ao surrealismo, enredo muito aliciante. Provoca interessante reflexão sobre a hubris. 

sábado, 9 de janeiro de 2016

Porquê o horror

Gosto de filmes de terror não apenas porque gosto de cinema, mas porque o terror consegue verdadeiramente unir o espectador ao ecrã, já que o primeiro chega a desleixar necessidades fisiológicas tipo xixi (eu sabia que rapidamente isto ia descambar para a escatologia - pimba, logo na primeira frase) para não perder o que se está a passar. Prova maior do efeito que o cinema tem numa pessoa, não conheço.

Depois, porque o cinema de terror facilmente se presta a mensagens políticas e subtextos activistas, embora não o pareça (aka Night of the Living Dead); tanto serve conservadorismos de direita como a sublevações de esquerda, e eu tendo a gostar bastante da arte que se presta a leituras e mensagens políticas (haverá arte em que isto não aconteça?).

Em terceiro lugar, o já muito referenciado "efeito catártico" que qualquer assíduo espectador de cabeças e entranhas de zombie a voar até à lente da câmara conhece e aprecia.Há uma sensação de alívio final (ou não...) que é muito satisfatória.

Há igualmente uma faceta de entusiasmo quase infantil nos filmes de terror, que incluem quase sempre cenas dinâmicas, de um gore de gosto discutível e que apelam à mesma excitação com que vimos o Indiana Jones sentado a uma mesa em que se serviam baratas grelhadas e miolos de macaco, o que me leva à próxima observação - a proximidade entre o terror e a comédia. Tive a sorte de ver "The Woman in Black", uma peça de terror, há pouco tempo (também há o filme, com o Harry Potter no papel principal, mas não tem grande piada) e o mais interessante foi constatar como as pessoas gritavam em uníssono, assustadas, para depois se desmancharem a rir com a figura que faziam. Foi um espectáculo dentro do próprio espectáculo que, como dizem os comentadores de futebol, foi "muito bonito". Se pensarmos, porém, em filmes de terror propriamente ditos, temos o insuperável Evil Dead, tão grotesco, amador e brilhante que se fica sem saber se aquilo é para rir ou para chorar - e mesmo assim, fica-se com medo. O próprio Exorcista tem momentos risíveis - quando o demónio está amarrado à cama, furioso, e pede ao padre para o desatar dizendo, naquela voz rouca de bagaço, "now, kindly, undo these ropes".Esta cena em particular faz-me sempre rir.

De modo que, como não tenho com quem falar sobre isto, falo para aqui. Obrigada pela atenção.